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19 de janeiro de 2023

MULTAS TRIBUTÁRIAS: A ARBITRARIEDADE DO ESTADO SANCIONADOR E O PRINCÍPIO DO NÃO-CONFISCO

Os tributos constituem receita derivada que constituem parcela majoritária da receita do Estado, sendo ingresso fundamental para a consecução dos objetivos traçados pelo Estado, desde a efetivação de direitos sociais que exigem prestação positiva, e, portanto, dispêndio de recursos, a pagamento de dívidas públicas e demais investimentos.

É de amplo conhecimento e objeto de antiga inconformidade a elevada carga tributária do país, notadamente em razão da disparidade entre a arrecadação e o baixo retorno em serviços essenciais. A insatisfação do contribuinte é refletida na expressiva litigiosidade fiscal do país: tanto a esfera administrativa quanto a judicial acumulam volume de lides tributárias que atravancam sobremaneira a Administração Fiscal, o Judiciário, as atividades dos contribuintes e, em última instância, a própria arrecadação do Estado.

Neste contexto, as multas tributárias têm ganhado destaque nas arrecadações fiscais, apresentando expressivo aumento nos últimos anos, e, não raro, superam o montante do próprio tributo, violando frontalmente o princípio do não-confisco estampado no artigo 150, IV de nossa Constituição Federal¹.

A esse respeito, aliás, já é pacificado o entendimento da Suprema Corte pela aplicação do princípio do não-confisco também às multas tributárias:

“Conforme orientação fixada pelo STF, o princípio da vedação ao efeito de confisco aplica-se às multas. Esta Corte já teve a oportunidade de considerar multas de 20% a 30% do valor do débito como adequadas à luz do princípio da vedação do confisco. Caso em que o Tribunal de origem reduziu a multa de 60% para 30%. A mera alusão à mora, pontual e isoladamente considerada, é insuficiente para estabelecer a relação de calibração e ponderação necessárias entre a gravidade da conduta e o peso da punição. É ônus da parte interessada apontar peculiaridades e idiossincrasias do quadro que permitiriam sustentar a proporcionalidade da pena almejada.” (RE 523.471-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 6-4-2010, Segunda Turma, DJE de 23-4-2010.)

Além da postura mais incisiva do fisco em fiscalizações – que chegam a violar as etapas do devido processo legal –, as legislações que tratam de multas, sejam moratórias ou punitivas, tem estabelecido percentuais que chegam a exceder o alarmante percentual de 100% do valor do tributo.

De modo a evidenciar a patente arbitrariedade dos entes federativos na imposição de multas (desde a etapa legislativa às etapas de fiscalização e arrecadação), trazemos à baila a clássica definição de tributo, estampada no artigo 3º do Código Tributário Nacional:

“Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Veja-se que se exclui do conceito de tributo toda prestação que tiver como fundamento um ato ilícito, como é o caso das multas. Isso porque a multa não deve ser a razão de ser da fiscalização, muito menos o Estado deve contar com esse montante em seu orçamento, justamente porque o objetivo é que o ato ilícito não ocorra.

No entanto, o cenário que se apresenta é, justamente, de imposição sumária de multas elevadas, sejam elas moratórias ou punitivas, sem que haja devido contraditório por meio de processo administrativo.

Veja-se os últimos relatórios de arrecadação da Secretaria da Fazenda de São Paulo e da Receita Federal, respectivamente²:

No âmbito estadual, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo registrou a imposição histórica de R$ 8.446.091.000,00 (oito bilhões, quatrocentos e quarenta e seis milhões e noventa e um mil reais) em multas oriundas de processos administrativos encerrados em 2020.

Observe-se que o montante representa quase o dobro do valor registrado em impostos, que foi de R$ 4.284.880.000,00 (quatro bilhões, duzentos e oitenta e quatro milhões e oitocentos e oitenta mil reais).

O cenário não se altera no âmbito da Receita Federal do Brasil, que apresentou incremento substancial de 79,2% no crédito tributário lançado entre os anos de 2015 e 2020:

Os lançamentos de multas tributárias no âmbito federal mais que dobrou em 2020 em relação ao ano anterior:

Diante da situação alarmante, o contribuinte tem se manifestado contrariamente à postura arbitrária da Administração Tributária na imposição de multas, levando a discussão aos Tribunais Superiores, que têm reconhecido a relevância da matéria e seus impactos legais, econômicos e sociais, uma vez que impacta diretamente na produtividade de contribuintes que exercem atividade empresarial e constituem a maior parte da arrecadação tributária.

A título ilustrativo, apenas no Supremo Tribunal Federal foram identificados ao menos cinco temas de repercussão geral envolvendo o caráter abusivo de multas tributárias, sejam elas punitivas ou moratórias:

A equipe tributária de nosso escritório tem mantido detido acompanhamento aos recentes entendimentos jurisprudenciais sobre o caráter confiscatório das multas tributárias, de modo a proteger seus clientes do pagamento indevido de imposições arbitrárias, gerando, em consequência, disponibilidade de recursos que podem ser direcionados às atividades empresariais dos contribuintes.

1. “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:[…] IV – utilizar tributo com efeito de confisco;”
2. SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Relatório Anual do Governo do Estado, 2020. Disponível em: https://portal.fazenda.sp.gov.br/acessoinformacao/Downloads/Relat%C3%B3rio-Anual-do-Governo-do-Estado/Relat%C3%B3rio%20Anual%20Governo%202020%20-%20vol.%20I.pdf. Acesso em 25/03/2022.
SECRETARIA ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Relatório Anual da Fiscalização: Resultados de 2020. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/resultados/fiscalizacao/arquivos-e-imagens/relatorio-anual-de-fiscalizacao_sufis_2021_07_01_vfinal-1.pdf. Acesso em 25/03/2022.

 

Autores: Ruy Fernando Cortes de Campos e Mylena Silva Pereira