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25 de março de 2024

Limites a compensação tributária: inconstitucionalidade e ilegalidade do art. 4º da MP 1.202

O artigo 4º da MP n° 1.202/2023 impõe limitações ao direito à compensação de créditos tributários reconhecidos judicialmente.

A referida medida provisória não é a primeira tentativa do Poder Executivo de se locupletar a partir de recolhimentos indevidos realizados pelo contribuinte.

A maliciosa intenção do Poder Executivo de postergar o cumprimento dos seus deveres perante credores, a partir da imposição de limites ao direito de compensação dos créditos reconhecidos em Juízo, já foi enfrentada pelo Poder Judiciário, tendo a jurisprudência se sedimentado no sentido de que:

“o direito à restituição do indébito que emana deste ato de pagar tributo inexistente dar-se-á, na espécie, por meio de compensação tributária, não podendo, em hipótese alguma, ser limitado, sob pena de ofensa ao primado da supremacia da Constituição” (Embargos de Divergência em Recurso Especial — EREsp n° 189.052/SP, relator ministro Paulo Medina, 1ª Seção, DJe de 03/01/2003)

Nos autos do EREsp n° 189.052/SP, foi levado ao crivo da C. 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça a discussão envolvendo a inconstitucionalidade e ilegalidade das Leis n° 9.032/95 e n° 9.129/95, as quais alteraram sucessivamente a redação do artigo 89 da Lei n° 8.212/91 para estabelecer o limite de 25% e, em seguida, 30% ao direito de compensação de créditos reconhecidos judicialmente, em relação ao débito compensado. Ou seja, a malícia fazendária não é inédita e não pode prosperar.

Pagamentos indevidos

O vício de inconstitucionalidade é tão grave que, no campo dos tributos, a declaração terá o efeito de tornar, de imediato, indevido qualquer pagamento realizado com base em lei inconstitucional, pois, como salientado, o tributo é eliminado do mundo jurídico.

O direito à restituição do indébito que emana deste ato de pagar tributo inexistente dar-se-á, na espécie, por meio de compensação tributária, não podendo, em hipótese alguma, ser limitado, sob pena de ofensa ao primado da supremacia da Constituição. E isso porque o limite à compensação torna parte do pagamento válido, ainda que temporalmente, concedendo, assim, eficácia parcial à lei nula de pleno direito.

Dessa forma, adquirido o direito à repetição do indébito, a compensação destes créditos, mesmo com débitos futuros, não poderá ser limitada de nenhuma forma, seja na via administrativa, seja em virtude de lei posterior.

Agride o senso comum porque ao limitar o uso dos créditos reconhecidos judicialmente, a norma acaba por atribuir efeitos jurídicos a tributo que foi declarado inconstitucional.

É o que chamamos de inconstitucionalidade útil. Está errado mas pode ajudar.

No caso concreto, ocorre uma tentativa de reversão jurisprudencial por ativismo do legislador que não se conforma com a jurisprudência do STJ tentando, novamente, instituir malogrados limites ao direito à compensação de créditos reconhecidos judicialmente, inclusive tentando atribuir a eles efeitos retroativos.

Governo contraria STF

A gravidade salta aos olhos quando se observa que a conduta adotada pelo governo federal, por meio da Medida Provisória n° 1.202/2023, também já foi reiteradas vezes refutada pelo próprio STF.

Na ocasião do julgamento das ADIs n° 2.356 e 2.362, o STF reputou como inconstitucional o artigo 78 do ADCT, incluído pela EC n° 30/2000).

Ou seja, é indiscutível que a MP n° 1.202/2023 é muito mais grave e violenta contra a Constituição do que a proposta que se buscou por meio da EC n° 30/2000 e que foi rechaçada.

Outra gravidade reside na violação ao próprio princípio da igualdade, porquanto impõe um regime de limitação ao direito à compensação apenas em face daqueles contribuintes que procuraram o Poder Judiciário para recuperar valores indevidamente recolhidos, ao passo que os contribuintes que tiveram seu indébito reconhecido na via administrativa não se submeterão à mesma violência.

A medida provisória é claudicante, também, sob os aspectos formais ante a absoluta ausência de relevância e urgência.

A observância e o rigor aos precedentes de jurisprudência se tornou ainda mais imprescindível após o advento do Código de Processo Civil de 2015.

Enfim, por fim e lamentavelmente concluímos com Konrad Hesse: “a necessidade não conhece princípios”.

Veja a matéria original aqui.