Mal começou o ano e o governo federal viu crescer as dificuldades para cumprir a meta de déficit fiscal zero prevista no Orçamento de 2024, principalmente depois de fechar 2023 com um rombo nas contas públicas de R$ 230,5 bilhões.

A melhor alternativa para melhorar a receita neste ano, a diminuição de isenções esubsídios concedidos a vários setores da economia, também não deve vingar.

A proposta de Orçamento para 2024 que o governo enviou ao Congresso Nacional prevê um aumento de 14,8% nos chamados gastos tributários, os subsídios e desonerações de impostos concedidos a pessoas físicas ou setores da economia.

Assim, o que era para ser um plano B de arrecadação está se transformando num pesadelo para a equipe econômica. Isso porque as isenções e subsídios, em vez de serem reduzidas para alavancar as receitas, não param de crescer e já somam 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do País, índice que mais que dobrou em duas décadas.

Na prática, são R$ 523,7 bilhões a menos em impostos que a Receita Federal pretende recolher este ano, ou cerca de 20% do total de arrecadação prevista pelo Fisco – e a conta não inclui os benefícios concedidos pelos governos estaduais.

Para reduzir esse buraco na arrecadação, a equipe econômica agiu em duas direções, ambas recebidas com desconfiança pela oposição. Na semana passada, o governo enviou ao Congresso o Projeto de Lei 15/24, que altera normas tributárias com o objetivo anunciado de premiar “bons contribuintes”.

Mas a intenção é abocanhar R$ 100 bilhões dos chamados devedores contumazes – empresas com débitos tributários acima de R$ 15 milhões há mais de ano e que usam o planejamento tributário para burlar regras do Fisco.

Esse grupo reúne cerca de 1 mil empresas e representa apenas 0,005% dos 20 milhões de contribuintes da categoria pessoa jurídica.

A ideia é obrigar as empresas a preencherem uma declaração eletrônica da Receita Federal listando todos os incentivos que possuem, entre os mais de 200 benefícios fiscais existentes no País. A partir daí, o Fisco identificará as companhias em situação irregular.

Em outra frente, nesta semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voltou a advertir sobre irregularidades do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).

O programa liberou empresas do setor de eventos de pagamento do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS/Pasep e Cofins por cinco anos, até 2026, como forma de ajudá-las a se recuperarem da pandemia.

Em dezembro, o governo anunciou que enviaria uma Medida Provisória ao Congresso propondo a revogação gradual da renúncia fiscal do Perse e modificações no pacote de renúncia fiscal da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia.

O veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à desoneração já havia sido derrubado no Congresso e a oposição promete resistir – ou seja, dificilmente o governo conseguirá reverter essa derrota.

Quanto ao Perse, Haddad afirma agora que a renúncia fiscal com o programa ficou entre R$ 17 bilhões e R$ 32 bilhões, muito acima dos R$ 4,4 bilhões estimados para a medida.

Por isso, ordenou investigação da Receita Federal sobre eventuais irregularidades no uso dos incentivos fiscais, entre elas lavagem de dinheiro, o que gerou críticas na Câmara dos Deputados.

Benefícios acumulados

Na prática, as  iniciativas do governo mostram como é difícil administrar as isenções e subsídios, que se acumulam sem controle.

O Simples Nacional, benefício concedido a empresas que faturam até R$ 4,8 milhões por ano, é o líder de isenções do ranking brasileiro. O governo deve deixar de arrecadar R$ 125,36 bilhões este ano com o estímulo.

Mas a lista inclui desde setores de agricultura e agroindústria, com R$ 58,9 bilhões em renúncia fiscal, ao generoso pacote de subsídios de energia elétrica, que deve atingir R$ 37,1 bilhões em 2024 –além de tirar arrecadação de impostos do governo, a quantia ainda é debitada na conta de luz dos consumidores.

O advogado Carlos Marcelo Gouveia, sócio da área tributária do escritório Almeida Prado & Hoffmann, afirma que os subsídios e isenções, em tese, são importantes para fomentar o progresso de atividades benéficas para a sociedade, citando o exemplo da Zona Franca de Manaus, que trouxe empregos à região.

“A concessão de benefícios e isenções é válida, mas é preciso controle e atualização permanente para que essas concessões tributárias não se perpetuem”, diz Gouveia.

Essa é a parte difícil da equação. Boa parte dos benefícios fiscais existentes foi criada há décadas para incentivar um setor ou região, como a Zona Franca, criada nos anos 1960.

Interesses políticos regionais no Congresso e atuação de grupos de pressão, porém, tornam cada vez mais difícil a possibilidade de o Executivo conseguir retirar um benefício, mesmo depois que seus objetivos iniciais foram alcançados.

“Esse aumento de gastos tributários reflete uma política de estimular setores estratégicos, mas também expõe o País a críticas por potenciais distorções econômicas e sociais”, adverte o tributarista Jean Paolo Simei e Silva, sócio do escritório Fonseca Brasil Advogados.

Entre as distorções, além da perda de arrecadação, é possível citar a promoção de competição desigual no mercado.

Até mesmo empresas de grande porte obtêm benefícios – para ter direito às isenções, elas precisam se enquadrar em alguns requisitos setoriais, como tipo de operação ou estar localizada em alguma região favorecida por incentivos. A Petrobras (com cerca de R$ 29 bilhões de isenções) e a Vale (R$ 19 bilhões) são alguns exemplos

“Ainda assim, a redução de renúncias fiscais e isenções é menos prejudicial para o ordenamento jurídico do que aumentar de forma generalizada os impostos, com o aumento das alíquotas de IR, IPI e PIS/ Cofins, por exemplo”, afirma o tributarista Marcio Miranda Maia, sócio do escritório Maia & Anjos Advogados.

Maia observa que, com a reforma tributária, todos os benefícios fiscais, regimes especiais e tratamentos diferenciados que são concedidos pelo ICMS, IPI, ISS e PIS/Cofins serão eliminados, com exceção do Simples Nacional, Perse e Zona Franca de Manaus.

Se as isenções relacionadas a esses impostos deixarão de existir, os benefícios fiscais na prática vão prosseguir por duas vias. Uma pela inclusão, durante a discussão da reforma no Congresso, de vários setores da economia em regimes especiais de tributação.

Com isso, para manter a carga tributária no mesmo patamar, a alíquota única do Imposto de Valor Agregado (IVA) deverá ser a maior do mundo, acima de 27%, para os contribuintes pessoa física.

A outra via mira as empresas que são beneficiárias de isenções concedidos pelos governos estaduais, como ICMS. Para compensar a perda desses benefícios,  o texto da reforma aprovada instituiu o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais.

O propósito é efetuar as devidas compensações entre 1º de janeiro de 2029 a 31 de dezembro de 2032, durante a transição da reforma tributária.

A estimativa é que o fundo receba R$ 160 bilhões para serem distribuídos a estados e municípios, ao longo desse intervalo, bem acima dos R$ 115,4 bilhões em isenções de ICMS, IPI, ISS e PIS/Cofins oferecidos em 2023.